quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Conversa com Letria


Na última quinta-feira, tive a grata oportunidade de participar de um bate-papo com o escritor português José Jorge Letria na Universidade de São Paulo. Ele é dotado de um currículo que, não sei você, mas me dá muita inveja. Para não dizer que faltou tradição, fez direito. Respeitável. Mas sem mesmices: estudou história e história da arte.

Não ficou só no pensamento. Nos anos 70, revelou-se compositor e cantor. Mas não estagnou no lirismo musical. Especializou-se em estudos de guerra e paz nas relações internacionais. Trabalhou muitos anos como jornalista cultural. Tampouco ficou apenas bajulando escritores. Escreveu e escreve muito. Não só prosa, mas poesia; não só para adultos, mas para crianças.

E como foi convidado pela área de Literatura Infantil e Juvenil da faculdade de letras, foi às crianças que o papo mais se ateve.  Letria acredita que seu sucesso na literatura infantil se dá por nunca abandonar o pequenino que foi. Escreve para agradar a sua criança interior, sua principal crítica e cúmplice. 

Filho único, o escritor sempre buscou ser seu companheiro múltiplo e espantar a solidão. Com um certo quê de superstição, atribui a sua multiplicidade profissional a seu signo, gêmeos. Com orgulho e humildade, recorda que era o mesmo de Fernando Pessoa, daí os heterônimos. 

A paixão pela literatura infantil também tem ares de paternidade. Quando seus filhos eram pequenos, cantava para adultos. Para agradá-los, começou a cantar para eles também. E, aí, a poesia veio fácil. E como é bela!

Para seu orgulho, seu filho, André Letria seguiu por outro caminho, mas não tão distante. Renomado ilustrador na área infantil, vez ou outra, faz parceria com o pai. Mas o rapaz tem talento, injusto seria dizer que o sucesso é por conta dos laços sanguíneos. “Se eu ajudei em alguma coisa, foi levando meus filhos a pinacotecas nas viagens, trazendo livros e outras novidades artísticas para eles conhecerem”, afirma o pai orgulhoso de si e da prole.  

Nesse debate, Letria recorda aquilo que a gente já sabia: ilustração e palavra são texto, ainda mais quando os livros são para os pequenos. Defende, mas também reclama. “Muitas vezes, a equipe de arte destaca uma palavra, porque ficaria bem para a ilustração, mas, na minha criação poética, ela não mereceria ser frisada, e o sentido muda.” 

E para não negar a formação em direito, faz questão de argumentar a sua tese. “É preciso recorrer ao clássico - segundo Ítalo Calvino -, de acordo com ele, é o texto [verbal] que gera a imagem e não o contrário.”

Para o fim de papo, Letria recorda a importância formadora da leitura, aliando a estética à ética. “Não sou partidário de que qualquer leitura é válida. Entre ler algo que não tem boa fundamentação ética e não ler, é melhor não ler”, aposta. 

Mas como sua personalidade é múltipla, não ficou só nos pesos e medidas. “A literatura para o leitor deve ser sempre um caso de amor.” E pelo pouco que pude conferir, a menos na poesia para crianças, não é difícil cair de amores por suas letras.

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