segunda-feira, 11 de março de 2013

Ramos e frutos


Ricardo Filho não queria seguir os mesmos passos que o pai e o avô – Ricardo e Graciliano Ramos. Na verdade, resolveu ficar bem longe disso: resolveu estudar matemática na PUC de São Paulo. Trabalhou durante muitos anos com tecnologia da informação no universo bancário. Entre idas e vindas, não se adaptou ao ambiente competitivo e cheio de conflitos éticos em que se inseria. 

No início da década de 1990, pouco antes de seu pai falecer, não resistiu à tentação de compor textos para as crianças e escreveu O computador sentimental, um livro de memórias juvenis, publicado em 92. Mas isso não o afastou totalmente dos números, permanecendo com TI por mais 16 anos. Em 2008, foi demitido da IBM e passou a trabalhar com recursos humanos, ideia que já tinha cogitava há um bom tempo. Hoje, concilia o trabalho de RH com a vida de escritor.

No ano em que faz 60 anos da morte de Graciliano Ramos, o neto nos recorda que a realidade tratada pelo seu avô não mudou muito no Brasil. Confira a nossa entrevista para saber mais sobre Ricardo Filho.

Vá se For Ler -     Como você se descobriu escritor? 

Foi um longo percurso. No começo eu tinha medo, achava que seria muito comparado com meu avô e meu pai, sentia-me inseguro. Fui cursar matemática por isso -- seria a melhor maneira de ficar longe da literatura. Mas eu lia muito, vivia sempre em contato com escritores. Ficava fascinado ouvindo meu pai contar para minha mãe as histórias que escrevia. Quando vi, também estava escrevendo as minhas histórias. Em 1991, criei coragem e mostrei um livro juvenil que havia escrito para o meu pai: O computador sentimental. Ele, sentindo-se incapaz de avaliar, pediu que a Vivina de Assis Viana, que também é escritora de literatura infantil e juvenil, lesse. Ela indicou para a Editora Atual, e foi publicado em 1992, logo depois que meu pai morreu. Ele não chegou a ver o livro editado. Ganhei de cara o prêmio Adolpho Einzen, dado pela UBE do Rio de Janeiro, como melhor juvenil de 1992.  E, então, não parei mais.




VSFL -      Em uma intervenção na Universidade de Minas Gerais, sobre Guimarães Rosa, Mia Couto disse sobre a importância do escritor não ser escritor, como ele ser biólogo, e Guimarães, diplomata. Você trabalha com consultoria em RH. Você acha que essa “vida dupla” contribui para seu trabalho de escritor?

Discordo frontalmente. Acho que ser obrigado a fazer outras coisas para viver atrapalha o escritor. Gostaria de somente escrever, ler, viver de literatura. O trabalho em outras coisas para poder sobreviver -- já que em um país onde se lê tão pouco, como o Brasil, o escritor precisa “se virar” fazendo outras coisas --, pode representar um grande atraso na produção do autor. 

VSFL -       É possível ter uma vida financeira digna, sendo, exclusivamente, escritor?

Muitos poucos conseguem no Brasil. Particularmente ainda estou longe disso, mas invejo os que conseguem. A conta não é difícil de ser feita. Um livro editado no Brasil, em média, tem uma tiragem de 3 mil exemplares. O autor fica com 10%, o que significa que recebe por trezentos livros vendidos. Calcule R$ 25,00 por livro e veja que por uma edição inteira, que, normalmente, demora bastante a ser vendida, o escritor irá receber R$ 7 mil. Não dá pra ninguém ficar rico, não é mesmo? Então, ele tem de dar palestras, aulas, escrever em jornais e revistas, não pode ficar só preso aos textos que publica.


VSFL -     Como é seu processo criativo?

Depende muito. Geralmente, a ideia surge bem vaga, partindo de algum acontecimento real observado. Ela vai crescendo internamente, amadurecendo, criando forma. Aí, quando o incômodo já é grande, finalmente, eu me sento e começo a planejar o livro. Capítulos, personagens, narrador etc. Escrevo, então, da maneira que aparece na minha cabeça, desordenada, confusa, apenas um esboço. E aí começa a parte de que mais gosto, e que considero o trabalho real do escritor: o incansável embate com o texto e as palavras. É uma briga insana. Esse trabalho é que irá dar forma final ao texto, trazer a ele uma sonoridade aceitável.

VSFL -      Como e onde você costuma escrever?

Eu escrevo todo dia, o tempo todo, estou sempre procurando espaço, uma brecha para poder escrever. Escrevo no meu quarto, na mesma mesa em que meu pai trabalhava, diretamente no Word. O rádio está sempre ligado baixinho, não consigo fazer nada sem ouvir música.

VSFL -     Você escreve livros infantis e juvenis. Para quais crianças e jovens você escreve?

Depende do texto. Eu não me preocupo muito com isso quando estou escrevendo. O meu intuito é contar uma história bem contada. Normalmente vou conhecer a faixa etária a que o livro se destina mais tarde, quando o editor classifica a obra. Mas eu gosto de pensar, até por ser o meu primeiro leitor, que escrevo para mim mesmo, para aquele menino que fui, apaixonado pela leitura. Então, por esse raciocínio, conclui-se que é um texto mais familiar aos meninos de classe média. Até porque só conseguiria falar a respeito do que conheço. Escrever sobre o mundo de um menino pobre seria difícil para mim, pois nunca vivi essa realidade.  

VSFL -     Você tem contato com seu público? Você visita as escolas, recebe emails, cartas?

Sim, tudo isso. E é uma das coisas que mais me dá prazer fazer. Adoro ir às escolas conversar com os leitores, sentir como fui lido. É interessantíssimo e descontraído. Eu sempre me divirto muito.

VSFL -       O que você acha que as crianças e jovens estão lendo hoje?

Eu sou sempre muito otimista quando falo de crianças e jovens. A minha percepção mostra que eles estão lendo bastante, tanto quanto na minha época. Gostam de livros em que existam sagas, aventuras, suspense, amor, heroísmo, tudo exatamente do jeito que eu gostava. 

 
VSFL -      O que você acha que falta na formação deles como leitores?

Falta uma mediação mais consistente. O ideal seria que existissem pais e professores apaixonados pela leitura. O papel do adulto na formação do leitor é muito importante como exemplo e possibilidade de diálogo. Poder trocar ideias a respeito de textos lidos é sempre muito estimulante. Quando o adulto passa para a criança o entusiasmo que sente pelo texto, o contágio é permanente.

VSFL -   Você é mestrando na USP, em literatura infantil. A pesquisa contribui para seu processo de escrita?

Sim e não. Acaba ocupando espaço demais, o tempo gasto com a pesquisa poderia ser usado na produção dos meus textos. Mas, por outro lado, a Universidade é um campo de troca de ideias e de aprendizado. Nesse sentido estudar, conviver com pessoas interessadas em ler, compartilhar experiências literárias, é sempre muito produtivo. Li alguns autores de literatura importantes por indicação de professores e colegas.  Aprendi alguns conceitos teóricos que fazem com que eu entenda melhor o meu próprio processo criativo.   

VSFL - Qual a importância da ilustração no livro infantil?

É fundamental. Não se concebe mais hoje em dia literatura infantil sem auxílio do texto visual. As ilustrações contam histórias paralelas que enriquecem o texto verbal. Temos, no Brasil, ilustradores maravilhosos. Gente que faz uma leitura muito competente e que amplia muito as possibilidades do livro.

VSFL -    Você já pensou em escrever ficção para adultos?

Nunca publiquei, mas é uma possibilidade cada vez mais presente. Gosto de escrever pequenas crônicas e as tenho colecionado. Um dia dará um livro.

VSFL -    Como seu pai contribuiu para sua formação humana e a sua realidade de escritor? Ele dizia que você tinha talento? O que ele lhe dizia sobre seu avô?

Nunca ouvi de meu pai que tinha talento. Ele não era muito de elogiar. Mas reconhecia e apontava as qualidades do texto, bem como criticava o que achava ruim. Com ele, aprendi a ler, antes de tudo. Minhas primeiras leituras foram todas mediadas por ele. Sem ler, ninguém consegue escrever. Ele falava do pai, Graciliano, com carinho, considerava um grande escritor. Hoje percebo que algum de seus ensinamentos literários foram aprendidos com ele.

VSFL -   Neste ano, faz 60 anos que Graciliano Ramos morreu. Qual seu legado no Brasil hoje, 60 anos após sua ida?

Deixou uma obra importantíssima. É um de nossos maiores escritores, reconhecido pela crítica e pela academia. Seu legado são seus romances e a maneira como enxergava o mundo. E o mais impressionante é que a realidade de um Vidas secas, por exemplo, não mudou.

VSFL -    Se você encontrasse um brasileiro que desejasse começar a carreira de escritor. Qual seria seu conselho?

Que fosse fazer outra coisa. Ser escritor é muito chato, solitário, não enche barriga de ninguém. A gente só vira escritor por vaidade, vontade de exibir o que escreve para os leitores. Os escritores são uma raça insuportável, só falam de literatura, consideram-se seres privilegiados, só porque sabem contar algumas histórias bobas. No fundo, são uns pobres infelizes. Melhor estudar medicina, engenharia, fazer alguma coisa útil.  Mas se o nosso brasileirinho insistisse, eu recomendaria muita leitura. De 4 a 5 horas de imersão diária. Sem ler, ninguém escreve nada que preste. 

VSFL -  O que você está lendo?

Estou em fase final de elaboração de minha dissertação de mestrado e, por isso, tenho lido muito livro técnico, crítica literária, autores importantes para poder construir o meu pensamento e defender minhas ideias. Não tenho tido tempo para ler ficção no momento.

VSFL -   O que você me indica para ler?

Participei recentemente, como jurado, do Prêmio São Paulo de Literatura. Li romances excelentes. Recomendaria: Os Hungareses, da Suzana Montoro e Fita Azul, do Edmar Monteiro Filho. A mocinha do mercado central, da Stella Maris Rezende, que ganhou o 54º prêmio jabuti, também é maravilhoso. Não deixe de ler também o Valter Hugo Mãe. Comece por O filho de mil homens e, depois, A máquina de fazer espanhóis. Ninguém está produzindo um texto tão denso e diferente.  


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